quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Com balanços social e ambiental controversos, plantio de dendê no Brasil triplica em 4 anos.
Óleo de palma é usado em 50% de produtos vendidos nos mercados. Estimulado por demanda, projeto previa uso de áreas degradadas para o cultivo de palma. Quatro anos depois, balanços social e ambiental são controversos.
Em quase quatro anos, a área ocupada por dendezais no Brasil triplicou: os 50 mil hectares de 2010 saltaram para os atuais 160 mil hectares. Deste total, cerca de 10 mil hectares são geridos pela agricultura familiar. Só o estado do Pará concentra 95% dessa área, aponta o Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Mas essa é apenas uma pequena parte do potencial de expansão estipulado pelo Programa de Produção Sustentável de Palma de Óleo do governo federal, criado em 2010. O zoneamento agroecológico destinou 31,8 milhões de hectares para essa cultura. E se a ampliação limitada pelo zoneamento agroecológico realmente for seguida, o país pode se tornar o maior produtor de óleo de palma do mundo, deixando para trás a Indonésia, líder do ranking, com oito milhões de hectares plantados, e a Malásia – ambos são responsáveis por 87% da produção mundial.

Mas essa liderança está custando caro para o meio ambiente desses países asiáticos. Entre 2009 e 2011, mais de 1,2 milhão de hectares de florestas foram desmatados na Indonésia e o setor do óleo de palma foi o principal responsável. Cerca de 25% dessas áreas foram destinada à plantação de dendê, aponta o Greenpeace.

No Brasil, a intenção do programa de produção sustentável era evitar que o problema se repetisse em território nacional. Ele foi traçado para restringir o cultivo da palma em áreas desmatadas, focando em um tipo de produção que respeitasse e preservasse o meio ambiente, recuperasse áreas degradadas, além de promover a agricultura familiar.

Quatro anos depois, o balanço das organizações que acompanham o desenvolvimento da cadeia não é positivo. “A cadeia do dendê tem uma série de impactos ambientais e sociais. O desmatamento também persiste, pois é uma monocultura e não há como manter pequenas ilhas de florestas no meio de dendezais”, afirma Verena Glass, da ONG Repórter Brasil.
Palma está alterando a paisagem amazônica

Desmatamento e contaminação

Presente em quase metade de produtos alimentícios, de limpeza e cosméticos, o dendê é o segundo óleo vegetal mais consumido do mundo, perdendo apenas para a soja. A produção mundial cresceu rapidamente e atualmente é dez vezes maior que há 30 anos.

O Brasil ainda importa óleo de palma e o destino da maioria do dendê cultivo no país é a indústria alimentícia. Para o Greenpeace, o aumento do cultivo de palma pode estimular o desmatamento indireto, pois poderia empurrar outras culturas e o cultivo de gado para áreas atualmente cobertas com florestas.

Por outro lado, o desmatamento é o menor problema identificado por organizações não-governamentais que acompanham o cultivo da palma de óleo no Pará. Segundo Glass, que assistiu à evolução dessa cultura no estado desde 2008, a grande quantidade de agrotóxicos utilizados nos dendezais está contaminando solo e água, além de colocar em risco a saúde dos moradores da região. Estima-se que 332 mil litros de herbicida sejam aplicados por ano na cultura.

O relatório Expansão do Dendê na Amazônia Brasileira, da Repórter Brasil, aponta que vários igarapés na região nordeste do Pará foram contaminados com agrotóxicos usados no cultivo da palma de óleo. Além disso, moradores de comunidades nesses locais apresentam problemas de pele e se queixam de dores de cabeça.

Outro problema apontado pela ONG são os raticidas, usados em larga escala para combater o animal que virou uma praga nos dendezais, colocando assim em risco animais silvestres e até o homem.

As condições de trabalho nas plantações são também alvo de críticas, inclusive com casos de trabalho escravo. “O dendê se assemelha muito à cultura da cana da década de 1990, intensiva no uso de mão de obra, com as condições de trabalho muito precárias”, afirma Glass.

Estimular a economia local

Especialistas alertam que o programa que tinha como objetivo promover a agricultura familiar está, na verdade, modificando esse sistema. “Na região há muita pobreza e apenas esse grande projeto. Ou seja, não são oferecidas alternativas para reforçar a agricultora local”, afirma Maria Backhouse, pesquisadora do Instituto de Estudos Latino Americanos da Universidade Livre de Berlim.

Por falta de opções, muitas famílias apostaram nessa ideia. Atualmente, 1.075 estabelecimentos da agricultura familiar fazem parte do programa. Elas recebem do governo federal um financiamento de cerca de 61 mil reais por família para o plantio de dendê. Esses agricultores fecham contratos de 25 anos de parceira com empresas que beneficiam o produto e também prestam a assistência técnica.

O financiamento para o cultivo familiar de palma de óleo é de no máximo 10 hectares. A estimativa inicial previa uma renda mensal de 2 mil reais no pico produtivo, que vai do quinto até 18° ano de vida da palmeira. Esse valor é calculado com base na produção anual de 80 toneladas de dendê a cada 10 hectares a partir do terceiro ano, e 280 toneladas a partir do décimo ano.
Plantação exige muito trabalho para ter bons rendimentos

Segundo o relatório da Repórter Brasil, no entanto, a produção de algumas famílias que plantam dendê desde 2002 em 10 hectares chega a apenas 200 toneladas por ano. “O pagamento é feito por produção e quem não consegue alcançar o limite estipulado tem um desconto”, afirma Glass.

Assim, descontando as despesas com financiamento, além do pagamento de adubos e da mão de obra, até quitarem as dívidas – o que dura entre 14 e 20 anos –, as famílias que produzem 200 toneladas por ano em 10 hectares estão tendo um lucro de cerca de 325 reais por mês.

Segurança alimentar

A expectativa de grandes lucros atraiu muitos agricultores que acabaram deixando de cultivar alimentos. “A população local vivia basicamente do extrativismo e do cultivo de mandioca e de açaí, mas essas áreas começaram a ser negociadas para o plantio do dendê. Além disso, o tempo destinado à produção de alimento também vai para o dendê, colocando em cheque a segurança alimentar dessas famílias”, conta Claudia Pojo, da Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional (Fase), no Pará.

O MDA rebate as críticas, afirmando que a regra para o financiamento de apenas 10 hectares garante “uma parte significativa do estabelecimento para outras culturas”, diz André Machado, coordenador de Biocombustíveis da Secretaria da Agricultura Familiar do MDA.

Machado reforça que o ministério incentiva a Embrapa na pesquisa para determinar outras culturas, cuja produção possa ser intercalada com dendê.

“O programa trouxe desdobramentos econômicos importantes para os municípios em que está presente. A indústria vem realizando investimentos agrícolas e industriais, gerando empregos e desenvolvimento nas regiões de atuação”, completa o coordenador.

Claudia Pojo, que acompanha alguns agricultores no Pará, tem outra opinião. “Essa questão ainda precisa de uma avaliação mais séria institucional, também do governo, pois o programa não trouxe os benefícios esperados”, afirma.


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