quinta-feira, 20 de março de 2014

Base Econômica Extrativista Engessa o Desenvolvimento da Amazônia, artigo de Raimundo Nonato Brabo Alves.
Foto: Rios Vivos

Na Amazônia quase tudo é mero extrativismo, menos na força intelectual de seu povo.

A Amazônia Legal com 5.217.423 Km2, correspondente a 61% do território brasileiro, com 12,32% da população (IBGE, 2004). Originado em maior expressão pela mineração, atividade madeireira e agronegócio, neste com maior relevância para a pecuária e agricultura industrial, foi divulgado festivamente pela mídia em 2008 que o PIB regional cresceu 22,4%, duas vezes mais que a média nacional, enquanto o PIB brasileiro acumulava crescimento de 10%. Contudo a riqueza gerada na região contribuía com menos de 8% no PIB nacional, de acordo com os últimos dados disponíveis (IBGE, 2005). Seria essa dicotomia consequência da base econômica da região, que tem como lastro a exportação de matéria-prima não elaborada, com a predominância no volume de recursos minerais?

Respeitando o clássico extrativismo, aquele praticado há séculos por populações tradicionais da Amazônia em equilíbrio com o meio ambiente, a atividade proporciona a mera sobrevivência das comunidades coletoras, mesmo que alguns produtos gerem riquezas para grupos empresariais que as transformam. A maioria das atividades econômicas da região poderia ser denominada de “extrativista produtivista”, cuja escala e velocidade de exploração sem reposição, não respeita a capacidade de regeneração da natureza.

A mineração como geradora de maior parcela do PIB da Amazônia, tem no ferro o produto de maior volume de exploração colocando o Brasil como segundo maior produtor com 390 milhões de toneladas em 2011 (IBRAM, 2012), impondo uma pressão enorme no extrativismo do recurso florestal para transformação em carvão, usado na fabricação de ferro guza para exportação. Tanto que a pressão dos órgãos de fiscalização sobre o extrativismo ilegal de madeira pelas carvoarias que destinam o carvão para a atividade mineral, mais a necessidade de competir com o ferro da Ucrânia que chega ao mercado internacional a U$ 400 a tonelada, resultou recentemente no fechamento de sete das 10 guzeiras instaladas em Marabá, no estado do Pará, causando desemprego e caos social no sudeste paraense.

Representantes do setor se mobilizam para a reativação das guzeiras, na esperança de obter o ferro bruto a preço mais baixo das mineradoras, a ponto de obter preço competitivo no mercado internacional e segundo afirmam, recomeçar com novo enfoque de sustentabilidade da produção, com as empresas apresentando seus ativos florestais e seus planos de manejo.

O extrativismo mineral agrava mais ainda a realidade regional pela proteção da Lei Kandir que isenta a atividade mineradora de recolher os impostos tão necessários aos investimentos na Amazônia, apesar de ser a atividade mais expressiva em exportação. A necessidade de verticalização do setor na região é imperiosa. Lamenta-se que no Estado do Pará não existe sequer uma fábrica de pregos, mesmo sendo o estado mais rico em minerais do Brasil. O que se quantifica na região são os problemas ambientais decorrentes da atividade, principalmente quanto aos seus rejeitos tóxicos.

A atividade madeireira é puro extrativismo. Quase toda a madeira serrada na Amazônia é de floresta nativa e pelo menos 70% foi considerada de extração ilegal, isto é, de áreas sem projeto de manejo florestal. De atividade extrativa oriunda de floresta nativa, dos 34,3 milhões de m3 de lenha produzidos no Brasil, a região Norte contribuiu com 18,47% (6,34 milhões de m3). Dos 14,92 milhões de m3 de madeira em tora oriunda de floresta nativa, a região Norte contribuiu com 62,52% (9,33 milhões de m3) (IBGE 2012).

De 1,159 milhão de toneladas de carvão oriundo de floresta nativa no Brasil, foi contabilizado para a região Norte apenas 7,4% (85.949 toneladas) (IBGE 2012), provavelmente pela dificuldade de quantificação do produto, principalmente que grande parte é de origem clandestina e ilegal, montante que não condiz com as taxas de desflorestamento. O carvão vegetal altamente demandado na região ainda é produzido em carvoarias arcaicas e de baixo rendimento (fornos tipo rabo quente), que poluem o ambiente, com perdas importantes de subprodutos como o ácido pirolenhoso e alcatrão e submete seus operadores a trabalho degradante.

Na atividade de silvicultura, dos 56, 7 milhões de m3 de lenha produzidas no Brasil de floresta cultivada em 2012, não há registro de produção para a região Norte. De 5,09 milhões de toneladas de carvão oriundo de floresta cultivada, a região Norte produziu menos de 1% (858 toneladas), a despeito da forte demanda de carvão para a siderurgia. Dos 131,8 milhões de m3 de madeira em tora oriunda de floresta cultivada, a região Norte produziu apenas 2,92% (3,8 milhões de m3) (IBGE 2012). O reflorestamento é incipiente na Amazônia e nem começou a ser quantificado como atividade econômica pelo IBGE, a despeito de importante demanda de florestas energéticas. No entanto mensalmente as taxas de desflorestamento são anunciadas, enquanto necessitamos urgentemente quantificar taxas crescentes de reflorestamento na Amazônia.

A pecuária é responsável por expressivo percentual de desflorestamento. O crescimento dos rebanhos está diretamente correlacionado com o aumento do desmatamento na região, problema que vem sendo apontado de maneira detalhada por organizações ambientais há anos e órgãos do próprio Governo Federal. Em 2008, o Greenpeace apresentou o relatório “A Farra do Boi na Amazônia”, que relaciona a derrubada da floresta com a abertura de novos pastos. No mesmo ano, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, apresentou um levantamento detalhado feito com base em imagens de satélite indicando que 62,2% dos quase 720 mil km2 desmatados na Amazônia até então haviam sido ocupados por pastos.  A pecuária é a atividade imediatamente seguinte à retirada da floresta, de caráter especulativo para assegurar a posse da terra. Com exceções, a formação dos pastos na Amazônia não é feita e nem mantida com fertilização dos solos, resultando em aproximadamente 11,9 milhões de hectares de pastos degradados (Terraclass, 2011).

Poucas culturas industriais como a palma de óleo e a soja utilizam insumos para reposição da fertilidade dos solos cultivados. As demais culturas e a pecuária, com raras exceções, se instalam utilizando o sistema de derruba e queima das florestas ou capoeiras de segundo ciclo. Não seria exagero afirmar que o principal insumo na Amazônia são as cinzas da biomassa das florestas e capoeiras. Tanto que se utiliza na Região Amazônia menos de 2% de todo o fertilizante consumido no Brasil (24,5 milhões de toneladas) (ANDA, 2010). A exploração de culturas e pastagens sem a reposição da fertilidade do solo configura-se em uma atividade extrativista, de “garimpagem” de nutrientes, resultando em um balanço negativo, isto é, as culturas e pastagens retiram mais nutrientes com as colheitas que o resíduo que fica no solo, resultando nas indesejáveis áreas degradadas.

A produção de energia elétrica baseada em construção de barragens com a mera exportação de energia para o sul e sudeste do país somada à exportação para o exterior de energia embutida na transformação eletrointensiva de minerais para ferro guza e alumina, sem a verticalização desses produtos na região, que gere emprego e renda e melhore as condições econômicas e sociais da população, pode configurar-se também como um mero extrativismo.

Pesquisas comprovam que metade das emissões de gazes de efeito estufa gerados na Amazônia, são oriundos da demanda de produtos consumidos fora da região, isto é, no sul e sudeste ou para exportação. De acordo com dados obtidos do segundo Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa (publicado no final de 2010, abrangendo o período de 1990 a 2005), o Brasil emitiu mais de 2,1 gigatoneladas de gás carbônico equivalente (CO2e) em 2005. A Amazônia contribui com mais de 50% das emissões de GEE do país.

A Amazônia necessita urgentemente mudar sua base econômica desse “extrativismo produtivista” para uma economia de verticalização da produção. Polos industriais devem ser planejados e implantados em regiões estratégicas da Amazônia para agregar valor a essa gama de matérias primas disponíveis e tirar a região da condição de “almoxarifado” do mundo. A Amazônia carece de uma agência de planejamento que possa gestar projetos estruturantes, necessários à modernização da logística regional, minimizando o planejamento exógeno. Valorizar o seu capital social, com investimento em educação e profissionalização, desacelerando o extrativismo de seus recursos naturais e intensificando a “garimpagem” intelectual de seu povo. Só assim haverá elevação do PIB da Amazônia elevando sua participação na economia nacional, com geração de emprego e renda e agregação de valores aos produtos de exportação e agronegócio.

Raimundo Nonato Brabo Alves é Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental

Fonte: EcoDebate

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