quinta-feira, 26 de junho de 2014

Corte seletivo e fogo fazem Floresta Amazônica perder 54 milhões de toneladas de carbono por ano.
Perda equivale a 40% da produzida pelo desmatamento total. Pesquisa cruzou dados de satélites e de pesquisas de campo em 225 áreas.

Uma pesquisa conduzida por cientistas no Brasil e no Reino Unido quantificou o impacto causado na Floresta Amazônica por corte seletivo de árvores, destruição parcial pelo fogo e fragmentação decorrente de pastagens e plantações. Em conjunto, esses fatores podem estar subtraindo da floresta cerca de 54 milhões de toneladas de carbono por ano, lançados à atmosfera na forma de gases de efeito estufa. Esta perda de carbono corresponde a 40% daquela causada pelo desmatamento total.

O estudo, desenvolvido por 10 pesquisadores de 11 instituições do Brasil e do Reino Unido, foi publicado em maio na revista Global Change Biology.

“Os impactos da extração madeireira, do fogo e da fragmentação têm sido pouco percebidos, pois todos os esforços estão concentrados em evitar mais desmatamento. Essa postura deu grandes resultados na conservação da Amazônia brasileira, cuja taxa de desmatamento caiu em mais de 70% nos últimos 10 anos. No entanto, nosso estudo mostrou que esse outro tipo de degradação impacta severamente a floresta, com enormes quantidades de carbono antes armazenadas sendo perdidas para a atmosfera”, disse a brasileira Erika Berenguer, pesquisadora do Lancaster Environment Centre, da Lancaster University, no Reino Unido, primeira autora do estudo.

Segundo Joice Ferreira, pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Amazônia Oriental), em Belém (PA), e segunda autora do estudo, um dos motivos dessa degradação ser menos percebida é a dificuldade de monitoramento. “As imagens de satélite permitem detectar com muito mais facilidade as áreas totalmente desmatadas”, afirmou.

“Nossa pesquisa combinou imagens de satélite com estudo de campo. Fizemos uma avaliação, pixel a pixel [cada pixel na imagem corresponde a uma área de 900 metros quadrados], sobre o que aconteceu nos últimos 20 anos. Na pesquisa de campo, estudamos 225 parcelas (de 3 mil metros quadrados cada) em duas grandes regiões, com 3 milhões de hectares [30 mil quilômetros quadrados], utilizadas como modelo para estimar o que ocorre no conjunto da Amazônia”, explicou Ferreira.

As imagens de satélite, comparadas de dois em dois anos, possibilitaram que os pesquisadores construíssem um grande painel da degradação da floresta ao longo da linha do tempo, em uma escala de 20 anos. Na pesquisa de campo foram avaliadas as cicatrizes de fogo, de exploração madeireira e outras agressões. A combinação das duas investigações resultou na estimativa de estoque de carbono que se tem hoje.

Duas regiões foram estudadas in loco: Santarém e Paragominas, na porção leste da Amazônia, ambas submetidas a fortes pressões de degradação. Nessas duas regiões foram investigadas as 225 áreas.

“Coletamos dados de mais de 70 mil árvores e de mais de 5 mil amostras de solo, madeira morta e outros componentes dos chamados estoques de carbono. Foi o maior estudo já realizado até o momento sobre a perda de carbono de florestas tropicais devido à extração de madeira e fogos acidentais”, disse Ferreira.

Segundo ela, a pesquisa contemplou quatro dos cinco compartimentos de carbono cujo estudo é recomendado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da Organização das Nações Unidas (ONU): biomassa acima do solo (plantas vivas), matéria orgânica morta, serapilheira (camada que mistura fragmentos de folhas, galhos e outros materiais orgânicos em decomposição) e solos (até 30 centímetros de profundidade). “Só não medimos o estoque de carbono nas raízes”, disse.

Para efeito de comparação, foram consideradas cinco categorias de florestas: primária (totalmente intacta); com exploração de madeira; queimada; com exploração de madeira e queimada; e secundária (aquela que foi completamente cortada e cresceu novamente).

As florestas que sofreram perturbação, por corte ou queimada, apresentaram de 18% a 57% menos carbono do que as florestas primárias. Uma área de floresta primária chegou a ter mais de 300 toneladas de carbono por hectare, enquanto as áreas de floresta queimada e explorada para madeira tiveram, no máximo, 200 toneladas por hectare, e, em média, menos de 100 toneladas de carbono por hectare.

Corte seletivo tradicional

O roteiro da degradação foi bem estabelecido pelos pesquisadores. O ponto de partida é, frequentemente, a extração de madeiras de alto valor comercial, como o mogno e o ipê; essas árvores são cortadas de forma seletiva, mas sua retirada impacta dezenas de árvores vizinhas.

Deflagrada a exploração, formam-se várias aberturas na cobertura vegetal, o que torna a floresta muito mais exposta ao sol e ao vento, e, portanto, muito mais seca e suscetível à propagação de fogos acidentais. O efeito é fortemente acentuado pela fragmentação da floresta em decorrência de pastagens e plantações.

A combinação dos efeitos pode, então, transformar a floresta em um mato denso, cheio de árvores e cipós de pequeno porte, mas com um estoque de carbono 40% menor do que o da floresta não perturbada.

“Existem, hoje, vários sistemas de corte seletivo, alguns um pouco menos impactantes do que outros. O sistema predominante, que foi aquele detectado em nosso estudo, associado ao diâmetro das árvores retiradas e à sua idade, pode subtrair da floresta uma enorme quantidade de carbono”, disse Plínio Barbosa de Camargo, diretor da Divisão de Funcionamento de Ecossistemas Tropicais do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo (USP) e membro da coordenação da área de Biologia da FAPESP, que também assinou o artigo publicado na Global Change Biology.

“Por mais que recomendemos no sentido contrário, na hora do manejo efetivo acabam sendo retiradas as árvores com diâmetros muito grandes, em menor quantidade. Em outra pesquisa, medimos a idade das árvores com carbono 14. Uma árvore cujo tronco apresente o diâmetro de um metro com certeza tem mais de 300 ou 400 anos. Não adianta retirar essa árvore e imaginar que ela possa ser substituída em 30, 40 ou 50 anos”, comentou Camargo.

A degradação em curso torna-se ainda mais preocupante no contexto da mudança climática global. “O próximo passo é entender melhor como essas florestas degradadas responderão a outras formas de distúrbios causados pelo homem, como períodos de seca mais severos e estações de chuva com maiores níveis de precipitação devido às mudanças climáticas”, afirmou o pesquisador britânico Jos Barlow, da Lancaster University, um dos coordenadores desse estudo e um dos responsáveis pelo Projeto Temático ECOFOR: Biodiversidade e funcionamento de ecossistemas em áreas alteradas pelo homem nas Florestas Amazônica e Atlântica.

Além dos pesquisadores já citados, assinaram também o artigo da Global Change Biology Toby Alan Gardner (University of Cambridge e Stockholm Environment Institute), Carlos Eduardo Cerri e Mariana Durigan (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz/USP), Luiz Eduardo Oliveira e Cruz de Aragão (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e University of Exeter), Raimundo Cosme de Oliveira Junior (Embrapa Amazônia Oriental) e Ima Célia Guimarães Vieira (Museu Paraense Emílio Goeldi).

O artigo A large-scale field assessment of carbon stocks in human-modified tropical forests (doi: 10.1111/gcb.12627), de Erika Berenguer e outros, pode ser lido em http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/gcb.12627/full.


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